Devido à fascinação quase obsessiva por escritores e seus processos criativos, atento para tudo que encontro dentro do gênero "A Vida Secreta de Grandes Escritores". Entrevistas, palestras, biografias (autorizadas ou não) reportagens, enfim, vivo a cata de pistas sobre como um ser humano normal chega a se tornar um "narniano" das gavetas.
Um dos fatos que há anos vem me chamando a atenção pela frequência e intensidade com que vem ocorrendo após a Revolução Industrial é o fenômeno que chamo de "Grande Inspiração Súbita Associada às Companhias Ferroviárias" ou simplesmente Teoria dos Trilhos.
Destacarei aqui apenas alguns exemplos contundentes:
Nº1- J.K. Rowling, que dispensa apresentações, após ser despejada no meio da rua numa madrugada fria por seu marido português Jorge Arantes e ter de se virar morando num pardieiro sem aquecimento com sua pequena filha, Jéssica, conta que Harry Potter e sua trupe "baixaram" nela, prontos e divididos em sete livros, de cabo a rabo,numa manifestação de inspiração vulcânica durante uma viagem de trem.
Nº2- Numa entrevista que deu à televisão, o prêmio Nobel Gabriel Garcia Marquez relata que estava dentro de um trem, retornando a sua cidade natal, quando olha para fora do vagão e, entre o folharal verde brilhante de um bananal infinito vê uma porteira, e nela, despretensiosamente pendurada a placa com o nome da fazenda: Macondo.
Nº3 - Embora o Brasil não se destaque exatamente pelo transporte ferroviário, o nosso Moacyr Scliar, revelou que durante alguns anos procurava uma estratégia para escrever a biografia de Noel Nutels, a voz do livro. Estava na Alemanha, a trabalho, e eis que tudo se esclarece em sua mente quando entra e se senta calmamente...num trem.
Nº 4- E, apesar da mega-defasagem da malha ferroviária nacional, esta semana tive uma notícia de primeira grandeza, dada diretamente pela escritora Ana Cristina Ayer, conhecida como Índigo: ela comenta que sua inspiração costuma deixá-la esperando quando está sentada à sua espera em seu escritório, pórem, de pé, espremida num vagão alguma coisa-Itaquera, com o cotovelo de alguém na sua testa,lhe vem temas, idéias, soluções de conflitos para enredos, e que ela tem de descer rapidamente a fim de anotar as idéias, para que, caso seja pisoteada pela multidão insana na hora do rush paulista, elas sobrevivam (o que recai sobre outro ponto crucial: a superação da morte - idéia básica de todo escritor).
Sendo assim, deixo aqui a sugestão para os que querem enveredar pela carreira da pena: Viajem de trem! e, para os empreendedores de plantão, gente que não se importa de ganhar dinheiro enquanto sobrevive: Que tal lançar CDs na linha "sons da natureza" com o barulho de um trem em marcha, e até um piuízinho de hora em hora para o escritor se localizar na realidade, e não perder a hora do busão?
Enquanto a evolução não chega à minha cidade, o único trem de que disponho é o da Alegria, com um mickey encardido e um pateta fubento abanando mãos e rabos enquanto uma turma barulhenta de crianças do ensino fundamental circula pelo centro histórico. A bagunça das crianças não me preocupa, o trem possui vagões, chaminé e apito. Vou viajar sob o disfarce de minha profissão mesmo: professora de ciências. Minha única restrição, o que talvez possa por toda a estratégia inspiracional a perder, é que o trem usa pneus. sei lá, a sonoridade dos trilhos é completamente diferente, mas se der certo, daqui a alguns anos estarei contando a história.
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